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SINDICATO DOS TÉCNICOS DE SEGURANÇA DO TRABALHO NO ESTADO DE SÃO PAULO


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17/10/2013

A Segurança do Trabalhado pode ser resumida em EPI e NR?


Tentarei neste escrito, argumentar que a segurança do trabalho no Brasil ainda é vista e trabalhada, apenas como sendo sinônimo de implantar o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e buscar o cumprimento da legislação trabalhista, previdenciárias, etc, e principalmente, as Normas Regulamentadoras (NRs), o que é insuficiente, desgastante e frustrante. E apresentarei sugestões de alternativa, para que, principalmente, o Técnico de Segurança do Trabalho, ao qual me referirei como TST, tenha uma atuação realmente profissional e efetiva, de modo a propiciar a real preservação da integridade do trabalhador, por enquanto apenas dos empregados. 

 

Não buscarei aqui, abordar a história da saúde do trabalhador no Brasil, mas escrever sobre minha visão da segurança do trabalho ou segurança no trabalho ou segurança do trabalhador ou segurança e saúde no trabalho, acreditando que o mais adequado seria saúde do trabalhador. Apesar de considerar mais adequado o termo Saúde do Trabalhador, por motivos que em outra ocasião discorrerei, vou usar o termo mais conhecido e usado, Segurança do Trabalho.


Mas enfim, seja qual for o nome, o importante é que envolva o objetivo de evitar que o trabalhador sofra qualquer tipo de lesão ou doença provocada por/no seu trabalho.

Se pensarmos bem, trabalhar não seria vender a mão-de-obra ou trabalho, seja braçal e/ou intelectual, por dinheiro? E a saúde estaria inclusa neste negócio? Declaradamente não, mas parece que implicitamente sim, pois contratantes não pagam a mais quando a saúde dos trabalhadores é exposta e pode ser prejudicada, nem protegem ou adotam medidas preventivas, quando não pagam para prejudicar sua saúde.

 

A segurança do trabalho surge no período político do país, conhecido como Regime Militar ou Ditadura Militar, através de normatizações do Ministério do Trabalho, hoje Ministério do Trabalho e Emprego, em tal momento histórico e tendo como primeiros profissionais especialistas da área, muitos militares e ex-militares. O modus operandi, é de ação policialesca, ou seja, impor à empresa e trabalhadores o cumprimento da legislação, na ocasião muito limitada e a partir do final da década de 1970, mais específica e abrangente, com a edição das primeiras 28 Normas Regulamentadoras - NRs.


Os cursos de formação de inspetores, depois de supervisores e a partir do final da década de 1980 - quando torna-se profissão de nível médio - de Técnico de Segurança do Trabalho, tem como seus professores, profissionais que viveram no período do regime militar, ou seja, com a visão de que a empresa é obrigada a cumprir a legislação – que geralmente, nem conhece – e que os trabalhadores devem fazer o mesmo, quase que unicamente usando os Equipamentos de Proteção Individual, de forma impositiva, ditatorial. E predomina assim ainda hoje no Brasil.

 

O papel dos profissionais do SESMT, principalmente, do Técnico de Segurança do Trabalho – que é o profissional em maior número nas empresas - é visto, até hoje, como o de um policial ou fiscal, que tem que fiscalizar e cobrar do trabalhador o uso dos benditos EPIs. Papel este que acaba sendo muito ingrato, pois a resistência, muito compreensível, dos trabalhadores, gera muita frustração e desgaste na atuação do prevencionista – no caso o Técnico de Segurança do Trabalho, cipeiros e outros interessados na saúde do trabalhador. E a empresa, por seu lado, não aceita acatar as exigências legais, por considerar oneroso e não sentir-se obrigada, por raramente sofrer fiscalização.

 

O modo de atuação, ensinado até hoje na maioria dos cursos Técnicos de Segurança do Trabalho, é que o maior papel do TST é garantir que o trabalhador utilize os EPIs e que deve orientar frequentemente a empresa, que esta deve cumprir as exigências legais, das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, da legislação previdenciária e outras, sob pena de ser multada.

 

Conforme podemos verificar na NR-6 e nas instruções mais adequadas sobre o trabalho em segurança do trabalho, é que a adoção de EPIs, deve ser a última providência, a última medida de controle a ser adotada na prevenção de acidentes, sendo precedida, pela eliminação dos riscos, pela neutralização, sinalização e proteção coletiva.


A atuação dos TST ainda é muito inadequado, infrutífero e frustrante, para atingir a finalidade de - como diz o item 4.1 da atual NR-4 - “... promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho”.Mas, infelizmente, é o que praticamente todos os prevencionistas fazem.

 

Ter como única medida de controle dos riscos a adoção de EPIs, gera para os profissionais do SESMT e para os cipeiros, uma grande hostilidade por parte dos trabalhadores, pois inclusive acabamos por ameaçar - o que em outra oportunidade abordarei - as estratégias coletivas de defesas destes. Também, os trabalhadores podem se dar conta, de que são os únicos a terem o compromisso com as ações para prevenirem-se contra os acidentes e doenças causados no/pelo trabalho e que à empresa cabe apenas adquirir os EPIs e utilizar suas ferramentas de coerção – sendo o técnico de segurança uma delas - para obrigar os trabalhadores a utilizar.

 

Mas não é por simples escolha ou por absoluto desconhecimento dos técnicos de segurança do trabalho, que isso ocorre, mas também, por que na realidade, acabamos sendo a galinha sob a tutela da raposa, ou seja, somos empregados da empresa, a qual deveria tomar a quase totalidade das providências, para controlar os riscos no ambiente de trabalho e me refiro a riscos, não só os riscos ambientais, que atingem ao corpo do trabalhador, sua saúde física, mas também a organização do trabalho, que atinge sua saúde mental. E esta percebe que se é o trabalhador quem será a vítima dos acidentes e doenças, então este deverá cuidar-se, tendo que agradecer quando tem o privilégio de ter da empresa os EPIs para tal e ainda mais quando tem os treinamentos, para conhecerem as causas e conseqüências, tanto físicas, como legais e disciplinares, decorrentes da não utilização e dos acidentes e doenças do/no trabalho, que inadequadamente recebe o nome de conscientização.

 

Quanto passei a ter esta visão mais crítica e abrangente sobre a prevenção de acidentes no Brasil, fiquei em um dilema: continuar a trabalhar em período integral numa empresa, para gradativa e cautelosamente aplicar o que aprendi, que percebi, beneficiando desta forma apenas uma empresa e seus trabalhadores e consequentemente a mim, ou seja, apenas um único técnico de segurança. Ou, difundir através de palestras, cursos – como os de Psicologia Aplicada à SST e a palestra Postura do TST nas Relações de Trabalho, que oferecemos no SINTESP – escritos como este e contribuindo para formar novos TST, como professor do curso em ETECs, para que cada vez mais profissionais de saúde do trabalhador, possam refletir sobre sua atuação e com o passar do tempo contribuir, para que mais trabalhadores sejam de fato favorecidos com a melhoria em seu ambiente, condições e organizações do trabalho.


É um grande desafio para o TST, ter postura diferente. E não é fácil, pois quem paga, admite, paga o salário e tem todo o poder que um empregador tem sobre o empregado, é a empresa. E o TST é um empregado como os demais. Este sistema, realmente é ingrato, pois coloca o TST, como usualmente dizemos, como o recheio do sanduiche, sendo pressionado pelos empregados e pelo empregador. E quando cobrado a se posicionar, geralmente o faz, em favor de quem garante seu emprego e salário. E o trabalhador, mais um vez, fica por sua conta. Os poucos TST que tentam, contra a vontade da empresa, cumprir o item 4.1 da NR-4, ficam muito vulneráveis em sua empregabilidade.

 

Alguns sugerem que o mais adequado, seriam os membros do SESMT, serem empregados dos sindicatos, que os terceirizaria para as empresas. Outros pensam que deveríamos ser empregados do governo, como no caso dos inspetores do S.I.F., nas industrias alimentícias. Em ambos os casos as empresas reembolsariam as despesas gastas com estes profissionais e que então, por não sentirem-se ameaçados em seus empregos, poderiam fazer seu trabalho de forma adequada e em caso de situação insuportável entre estes e a empresa, seriam removidos para outra empresa, como acontece, por exemplo, com trabalhadores terceirizados de limpeza, vigilância, etc.

 

Mas enquanto isto não acontece, sugiro que o TST, passe a analisar sua postura profissional enquanto prevencionista e avalie criticamente, se está contribuindo de fato. E que pense na possibilidade de adotar uma postura mais compreensiva com relação as reais causas dos acidentes e doenças do/no trabalho, para verificar - o que acredito que descobrirá - que a empresa é que está por trás de praticamente todas elas.

 

O TST, precisa passar a utilizar ferramentas - hoje, raramente utilizadas - como o levantamento dos custos diretos e indiretos dos acidentes, do custo com o aumento do FAP, do custo das medidas de controle, do impacto nos trabalhadores como seres humanos, na produtividade, na imagem da empresa, nos custos com multas e indenizações, interdições ou embargos, etc. Para com elas construir toda uma argumentação e demonstrar à empresa, a vantagem de investir, seja financeiramente, seja com seu apoio, para que a condições e organização do trabalho favoreçam a saúde do trabalhador.


Já atendi nos plantões que faço no SINTESP duas vezes por semana, TST dizendo que sua empresa não tem cultura de acidentes do trabalho. Mas vamos refletir um pouco sobre esta queixa. Não conheço curso técnico ou de graduação, que aborde a questão de saúde do trabalhador. Alias, como coloco a todos com quem converso, mas principalmente, a meus alunos, no Brasil não temos em nenhum nível escolar até a graduação, por exemplo, educação sobre a prevenção de acidentes domésticos, mesmo envolvendo toda a população, com milhares de casos anuais, de queimaduras, choque elétrico, quedas, intoxicação, cortes, etc. Que também envolve toda a população, seja como pedestre, como motorista ou motociclista, não temos educação sobre a prevenção de acidentes de trânsito, que matam centenas de milhares anualmente. Como podemos esperar que tenhamos educação para a prevenção de acidentes do trabalho, que em nossa legislação abrange apenas os empregados, ou seja, os trabalhadores com vínculo empregatício, os “com carteira assinada”, se hoje somam no máximo 40 milhões de brasileiros, ou seja, apenas 20% da população do país? Desta forma é complicado esperar que gestores e empresários, tenham o conhecimento que temos, sobre o assunto e promovam espontaneamente, ou pelo menos apóiem, a segurança do trabalho.

 

Então, enquanto estas mudanças desejáveis e necessárias, não acontecem, temos que fazer alguma coisa. E o que tenho sugerido e orientado, é que o TST deve ser o educador sobre segurança do trabalho, na empresa. Pois se ninguém, em nenhum nível, tem informação sobre prevenção de acidentes, o empresário e seus gestores, assim como os trabalhadores também não o tem. Podemos montar um projeto, uma proposta – que alias também, desconheço algum curso que ensine a elaborá-los – com argumentos suficientes, para esclarecer o que vem a ser Segurança no Trabalho e qual o papel do TST e quais os prejuízos e benefícios possíveis.

 

Se os empregados percebem que apenas eles têm responsabilidades em prevenir-se contra acidentes, e que a empresa, embora tenha suas responsabilidades e possibilidades, no máximo disponibiliza EPIs e treinamentos, podem concluir que se a empresa não faz a parte dela, não devem fazer tudo sozinho.

 

Outra situação quem também impacta muito, tendo desta feita mais relação com a organização do trabalho, do que com as condições de trabalho, é que em muitas situações, trabalhar com segurança implica ter menor produtividade. O trabalhador percebe que se não cumprir com as solicitações da segurança do trabalho, não perderá seu emprego, mas se não der conta da produtividade terá sua fonte de renda ameaçada. Poderá sentir então as exigências da segurança do trabalho, colocando-os num conflito. Como os riscos de sofrerem acidente ou doença do trabalho são uma possibilidade e se não derem conta de seu trabalho a perda do emprego é uma certeza, qual situação do conflito será priorizada? E nós prevencionistas, somos vistos como os causadores das situações de conflito, não só pelos trabalhadores, mas por muitos gestores de empresas.


Concluindo, segurança do trabalho, deve ser hoje, para alcançar seu objetivo de promover a prevenção de acidentes e doenças do/no trabalho, vista e trabalhada muito mais como educação, planejamento e projetos, do que a simples fiscalização do uso de EPIs e cumprimento de NRs. Valorizando muito mais as relações interpessoais e a busca do que está além do que está aparente, do que o pseudo tecnicismo de normas, equipamentos, medições, levantamentos e legislação.

 

René Cavalcanti – diretor do SINTESP





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